8 de fevereiro de 2011

Como valorizar o professor


por Mateus Prado
Educador analisa o Enem, os vestibulares e o ensino brasileiro

Volta às aulas e o governo federal começa o ano com um Plano Nacional de Educação (PNE) que tem como eixo central a valorização do professor. Em vários Estados e municípios aparecem propostas de reformulação de planos de cargos e salários dos docentes. Em alguns lugares ganham força as propostas de condicionar benefícios financeiros a metas e/ou resultados. Mesmo concordando que algumas dessas propostas são extremamente polêmicas e pouco contribuem para a melhoria da qualidade da educação no Brasil fica evidente que elas mostram que o papel do professor ganha mais espaço na agenda de debates da sociedade brasileira.

Nossos professores realmente são mal remunerados. Ganham, em média, 60% a menos que outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade. Muitos administradores púbicos ainda tratam o professorado como uma espécie de "vocação missionária", quase religiosa, que exige sacrifícios. Os mais velhos talvez lembrem da frase "professor não é mal pago, é mal casado". Já foi atribuída a vários políticos, apesar de todos a repelirem, mas é a representação desta forma de tratar o professor.

Várias pesquisas indicam que a atuação do docente é, depois das condições sócio econômicas do aluno, o principal fator que influencia o rendimento escolar. Certamente aumentar a remuneração é uma das condições para melhorarmos a qualidade da educação. Mas não é a única.

Algumas escolas particulares, apontadas como provedoras de uma educação de melhor qualidade, têm em seu grupo de professores o grande diferencencial em relação às escolas públicas e às demais particulares. E o que teriam de diferente esses professores? Ensinam melhor por ganharem melhor? Frequentaram as melhores universidades? Contam com formação continuada? Conhecem os melhores livros? Possuem as melhores práticas pedagógicas? Tudo isso e mais algumas coisas podem ser verdade, mas certamente não são a causa da diferença. A qualidade é atingida em consequência da vivência cultural de cada professor, da forma que pensam a educação e das oportunidades que encontram durante a vida, tanto pessoal como profissional.

Se as condições sócio-econômicas influenciam o rendimento escolar do aluno, podemos supor que essas condições também influenciam a qualidade de aula do professor. E não falo só das condições financeiras dos docentes. São vários os fatores que compõem esse quadro.

Um professor que vive cercado de livros, jornais e revistas, além de frequentar bons sites de internet, certamente tem mais possibilidades de construir estratégias pedagógicas do que aqueles que vivem longe dessa realidade. Dedicar tempo a conhecer outras culturas, como visitar museus, fazer viagens, analisar pesquisas, conversar fora de sua rede de amigos, entre outras coisas, dá a um professor uma melhor compreensão da diversidade do mundo.

Ter contato com várias estratégias pedagógicas e estar aberto para compreendê-las faz diferença. A educação bancária, na qual o professor deposita conhecimento na cabeça do aluno, apesar de ainda ser a mais utilizada no Brasil, traz pouquíssimos resultados na construção da autonomia e no desenvolvimento das capacidades cognitivas do estudante. Ter tempo para tudo isso e para outras coisas importantes, como planejar aula, é fundamental. O professor que fica o dia todo dando aulas tem poucas chances de se atualizar.

Dominar as novas tecnologias de comunicação aumenta as possibilidades de intervenção pedagógica. É claro que, para a maior parte dessas coisas, o professor precisa ser melhor remunerado, para que incremente sua possibilidade de acesso. Mas somente o aumento de salários, o pagamento de prêmios por produtividade ou o cumprimento de metas não basta para que o professor dê uma aula de melhor qualidade.

Garantir que o aumento do rendimento dos professores tenha os resultados esperados na melhoria da qualidade de ensino passa pelos governos repensarem a concepção do que é a tão falada formação continuada. Este é o desafio do ano que começa. Governos, sociedade civil organizada e pais precisam repensar e construir uma nova concepção de formação para os professores.

Na sociedade da informação, não tem sentido nenhum que a educação seja conteudista. Esta educação, enciclopédica, é coisa do iluminismo. Lembrem que alguns pensadores se uniram para reunir todo conhecimento disponível em uma coleção de livros. Nasciam as enciclopédias. Durante muito tempo, pais acreditavam que ter uma destas enciclopédias em casa era garantia para que seus filhos tivessem uma ótima educação. E as salas das famílias de classe média exibiam orgulhosamente essas coleções, muitas encadernadas em couro e com letras, na capa, em fio de ouro. Difícil mesmo era alguém utilizar esses livros para outro fim que não o decorativo.

Hoje os conteúdos são infinitos e o conhecimento se desenvolve em uma velocidade que não poderíamos imaginar há 30 anos. Sempre me lembro do texto "Confesso que Estou Vivo", do sociólogo Betinho. Nele, são contadas as transformações na ciência e na forma de a sociedade conviver com os temas relacionados à AIDS desde que ele contraiu o vírus até o momento que escreve. É notório como, em cerca de 10 anos, tudo o que se sabia sobre a AIDS mudou, e muito. Consequentemente, uma escola que se dedicava só ao conteúdo teve muitas dificuldades para acompanhar essas e milhares de outras mudanças no mundo.

Por conta disso, da nova realidade derivada da sociedade da informação e dos constantes avanços tecnológicos, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) considera que um dos pilares para a educação em nosso século é fazer com que o aluno "aprenda a conhecer". Aprender a conhecer é muito mais importante do que acumular conteúdos. Quem aprende a conhecer domina os conteúdos mínimos para poder aprender qualquer conteúdo que seja necessário em sua vida e, mais importante ainda, tem vontade de aprender coisas novas durante toda a vida. Tem sede de conhecimento.

Para fazer com que o aluno "aprenda a conhecer" é necessário que também o professor o aprenda. Nossa tradição de educação é conteudista e a maioria das aulas de nossos cursos de licenciatura concentram-se em que os educadores acumulem conteúdo. As formações realizadas pelos governos, e também pelas escolas particulares, são, em sua maioria, uma extensão dos cursos de licenciatura. Professores que se reúnem uma ou mais vezes por mês para aprender mais conteúdos pouco podem melhorar suas práticas em sala de aula.

É neste sentido que a formação continuada deve ser repensada. Professores precisam "aprender a conhecer". Em todo professor é necessário que se incentive, ou que se recupere, a curiosidade intelectual. Com curiosidade intelectual, é necessário que o professor possa exercê-la. Para exercer essa curiosidade, são necessários estrutura, condições econômicas e tempo. Um professor que ganha pouco, em uma cidade sem biblioteca e acesso a internet e que dá aulas o dia todo, mesmo que adquira essa curiosidade, terá poucas chances de exercê-la. É do exercício desta curiosidade intelectual e dos processos cognitivos relacionados a ela que teremos a melhoria da qualidade do que é feito dentro das escolas brasileiras.

Fonte: Colunistas - Último Segundo

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