18 de janeiro de 2011

Pelo direito de saber ler e escrever

Texto: Ana Rita Martins
Para a Revista Nova Escola

(via Educar para Crescer)

Garantir o acesso à escola e o fim da evasão é a chave contra o analfabetismo. Conheça as melhores soluções das cidades que estão vencendo essa batalha



Iniciativas inovadoras na Educação de Jovens e Adultos contribuem para a redução do número de analfabetos no Brasil

No Brasil, existem 14,2 milhões de pessoas que não são capazes de ler o rótulo de um produto no supermercado, identificar o destino num letreiro de ônibus ou assinar o próprio nome. Essa triste estatística mostra que, em pleno século 21, ainda não conseguimos erradicar o analfabetismo. Se os números mostram o quanto temos a evoluir, a boa notícia é que as soluções eficazes estão bem aqui, no nosso país. Dentre os 5.564 municípios brasileiros, um pequeno grupo se destaca. Uma parte ostenta índices de países desenvolvidos. A outra, reduções expressivas no total de iletrados.

O primeiro time reúne os municípios livres do analfabetismo, título concedido pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007 àqueles em que a quantidade de habitantes sem instrução não ultrapassava 4%. Apenas 64 localidades compõem esse panteão, todas nas regiões Sul e Sudeste. Em grande medida, os índices de dar inveja têm uma explicação histórica - a luta dos imigrantes em não deixar ninguém sem escola. "O maior exemplo são as cidades de colonização alemã em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde já nas décadas de 1920 e 30 quase não havia analfabetos", escreve o pesquisador Lúcio Kreutz no livro Os Alemães no Sul do Brasil. Em cidades como as catarinenses Blumenau, Jaraguá do Sul e Pomerode, o foco atual recai na Educação Básica para manter os índices baixos, evitando a produção de novos analfabetos.

O segundo conjunto contempla os chamados municípios alfabetizadores, denominação do MEC para aqueles que reduziram pela metade o índice de iletrados entre 2000 e 2007. Centrando esforços na Educação de Jovens e Adultos (EJA), os dois grupos de cidades oferecem alternativas para vencer o problema. NOVA ESCOLA visitou 11 delas, registrou as melhores práticas e as reuniu numa lista de sete ações que podem inspirar a transformação em outras localidades.

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1. Encontrar quem precisa ser alfabetizado
Num país com dimensões continentais como o Brasil, nem sempre é fácil chegar até quem precisa ser alfabetizado. E, mesmo nas áreas mais urbanizadas, onde o acesso aos iletrados é teoricamente mais fácil, a maioria das secretarias de Educação não dispõe de estatísticas confiáveis sobre quem são os analfabetos do município. O método mais tradicional - usar a divulgação na própria escola para atingir estudantes em potencial - nem sempre funciona. "As campanhas de alfabetização têm resultados insuficientes porque o cartaz não é a melhor forma de atrair os possíveis alunos. Visitá-los, conhecer a realidade em que vivem e conversar é a melhor forma de chamá-los para estudar", afirma Sonia Giubilei, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (Gepeja), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em Curitiba, a ideia bem-sucedida foi aproveitar o cadastro da Fundação de Assistência Social (FAS) para identificar os moradores de rua que não sabiam ler e escrever. Em regiões mais inóspitas, como Silves, a 330 quilômetros de Manaus, a "caçada" exigiu viagens de barco pela região (leia o destaque na página 87). "Depois que fomos atrás dos alunos e formamos a primeira turma, que deu certo, a procura aumentou", conta o professor José André Viana.

2. Criar horário de aulas para atender todos os públicos
Na alfabetização de jovens e adultos, há diferentes perfis de alunos. Existem os aposentados com tempo livre, os adolescentes que trabalham durante todo o dia, profissionais que fazem bicos etc. Para que todos tenham a oportunidade de se alfabetizar, é fundamental levar em conta essas diferentes realidades. Oferecer diversos turnos é uma das maneiras de facilitar o acesso, pois é fundamental que os alunos consigam aliar as aulas ao seu dia a dia. No Centro Municipal de Educação do Trabalhador Paulo Freire (CMET Paulo Freire), em Porto Alegre, existem horários para todos os públicos (leia o destaque acima). Flexibilizar a duração das aulas também é outro incentivo para aqueles que têm uma rotina mais dura. Em Curitiba, as aulas nas turmas de EJA de 1ª a 4ª série para moradores de rua duram apenas duas horas. "Os alunos costumam ter baixa capacidade de concentração e, por isso, achamos mais conveniente estabelecer esse limite. As aulas também são à tarde, já que, à noite, muitos trabalham em bicos nas ruas, como guardadores de carros", conta a professora Elizabeth Meucci. Trabalhadores sazonais também merecem um esquema especial. "Nas zonas rurais, as pessoas estão condicionadas aos ciclos das safras. A escola deve se moldar a isso", afirma Márcia Oliveira, coordenadora da EJA do Instituto Paulo Freire. Em São João do Oeste, a 691 quilômetros de Florianópolis, de economia essencialmente agropecuária, 33% das aulas da alfabetização na EJA são presenciais e o restante é completado por meio de pesquisas e lições de casa. Há atividades pelo computador e tudo é corrigido pelo professor, que leva para casa as atividades e devolve tudo comentado. Segundo o Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem o menor índice de analfabetos do país: 0,91%.

3. Investir em formação inicial e continuada
É consenso entre os especialistas que a formação dos professores é o fator de maior impacto na qualidade do trabalho e no resultado positivo dos alunos. Entretanto, muitos programas de EJA apostaram no voluntariado despreparado para dar aulas, como se qualquer pessoa que soubesse ler e escrever fosse capaz de alfabetizar, o que está muito distante da verdade. Mesmo quando se trata de formação de docentes, há sérios problemas. O principal é que a formação inicial pouco aborda a EJA. Segundo pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC), realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC), a etapa é abordada em apenas 1,5% do currículo. Por isso, o investimento em formação continuada é imprescindível. O ideal é que ele inclua uma rede de apoio dentro da própria escola, como ocorre em Salvador (leia o destaque à esquerda). Em Porto Alegre, além do investimento na formação continuada, investe-se também na valorização do professor da EJA. Na rede municipal, são 450 docentes com plano de carreira idêntico ao dos que lecionam na rede regular. O resultado disso é que os educadores acabam investindo mais na própria formação (95% deles têm pós-graduação). Para Vera Masagão Ribeiro, coordenadora da ONG Ação Educativa, na capital paulista, a política é acertada. "Muitos professores encaram a EJA como uma forma de bico. É preciso resolver essas questões estruturais para o segmento se profissionalizar."

4. Combater os altos índices de evasão na EJA
Na EJA, manter os alunos em sala envolve permitir que eles conciliem as aulas com o trabalho e os afazeres domésticos. Também é preciso lidar com o fato de muitos já terem estudado e parado, o que requer cuidados em dobro para que não desistam novamente.

Procurar saber o motivo das faltas ou do desânimo dos alunos é a saída em Itapiranga, a 350 quilômetros de Manaus. Por lá, faz parte da rotina dos professores a busca pelos alunos que se ausentam muito ou que ameaçam abandonar a escola. "Ninguém no município falta mais de três dias sem receber uma visita. Buscamos entender os motivos e, com base neles, pensamos com o estudante as alternativas para que ele possa recuperar o conteúdo perdido", afirma o secretário municipal de Educação, José Melquias Josebec Santos. O foco no aprendizado também faz parte do cardápio de Guajará, a 1.476 quilômetros de Manaus. Quando alguém falta, o professor vai até a casa passar as atividades do dia anterior. O cuidado fez com que a taxa de evasão na alfabetização de jovens e adultos do município tivesse a média de 7%, enquanto a nacional é de 32%.

5. Oferecer materiais didáticos específicos para a EJA
Ignorar o percurso de vida do adulto na hora de alfabetizá-lo é um dos equívocos mais recorrentes cometidos na EJA (conheça outros no quadro à direita). Os materiais didáticos e a metodologia de ensino precisam tratar daquilo que interessa ao aluno e faz parte do seu universo. Nesse aspecto, a novidade positiva é que a partir do ano que vem o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do MEC, disponibilizará obras voltadas à EJA. Para acompanhá-las, o ideal é que cada município produza seu próprio material, contemplando o contexto da região. Em São João do Oeste, a qualidade dos livros elaborados pela equipe da secretaria é um dos fatores que contribuem para o baixo índice de analfabetismo (leia o destaque acima). Em Guajará, há um trabalho de Matemática, com o ensino de noções do sistema numérico e de geometria, com atividades que envolvem dinheiro, reconhecimento de cédulas e cálculos de compra e venda de materiais manipulados no extrativismo e na pesca, atividades que fazem parte do dia a dia da maioria dos alunos.

6. Aumentar os recursos para a EJA
Para combater o analfabetismo, é necessário que tanto o Governo Federal como estados e municípios priorizem o investimento na EJA. A parceria entre prefeitura e União foi a estratégia do avanço em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que reduziu o total de analfabetos em 31% entre 2001 e 2009. Em muitos municípios, porém, é preciso melhorar a infraestrutura da modalidade, com a criação de mais centros de alfabetização. Segundo Vera, o ideal é que a EJA tenha seus próprios espaços ou ocorra dentro de espaços de locais destinados a adultos, como universidades públicas e privadas, com murais, cantinas e horários adequados. "A EJA, no Brasil, ainda está à mercê dos horários de funcionamento das escolas da Educação Básica. Não se oferecem vários turnos justamente porque os horários já estão tomados pelo ensino regular. Além disso, é comum os adultos estudarem em salas com temáticas e materiais infantis dispostos nas paredes", enumera a especialista.
7. Trabalhar a inclusão para jovens e adultos
Assim como no ensino regular, para que os alunos com deficiência possam ser incluídos, é necessário que o professor saiba flexibilizar o currículo de acordo com o potencial de aprendizagem de cada um deles. O objetivo principal é envolvê-los efetivamente na aprendizagem, garantindo os recursos necessários para atender a suas necessidades, como ocorre em Niterói (leia o destaque acima). Integrá-los a trabalhos em grupo, estabelecendo um fluxo de colaboração e possibilitando que eles participem de acordo com sua capacidade, é um passo fundamental para um processo de inclusão eficiente. Em outros momentos, é necessário flexibilizar materiais ou o próprio planejamento. Como às vezes esses estudantes precisam faltar por causa de compromissos médicos, o docente necessita prever tempo para a recuperação de conteúdos.

Os erros mais comuns

- Usar livros e materiais infantis. É preciso envolver os adultos na alfabetização com temas que lhe dizem respeito, como o mercado de trabalho e questões da atualidade.

- Desconsiderar as razões de cada um para voltar à escola. Para alfabetizar um adulto, é necessário ouvi-lo. Por que ele quer aprender a ler e escrever? Para redigir cartas? Ou ainda para lê-las em segredo, sem a necessidade de compartilhar as notícias com vizinhos? Tudo isso deve ser considerado para que a aprendizagem ganhe sentido.

- Não respeitar o nível de cada um. Adultos têm perfis, idades e ritmos de aprendizagem variáveis. O ideal é o acompanhamento individual, sem fazer comparações com colegas.

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